Treinador, que deixou o Fluminense recentemente, recorda do dia que autorizou goleiro a arriscar uma cobrança: 'Um diretor quase caiu da cadeira'
Foi no dia 3 de dezembro de 1996 que Rogério Ceni recebeu passe livre para bater a sua primeira falta. O São Paulo estava em Santiago, capital do Chile, para enfrentar o Colo Colo numa partida amistosa, quando o então técnico Muricy Ramalho escreveu o nome dele numa lousa (quadro-negro para alguns). O treinador faz isso até hoje. Em suas preleções, minutos antes do jogo, ele designa quem bate falta perto da área ou de longa distância, quem cobra pênalti e quem cuida dos escanteios. Naquele dia, as faltas do São Paulo tinham um novo dono: Rogério Ceni.
- Lembro que, por ser um amistoso, tinha até dirigente na preleção. Quando eu disse que um goleiro bateria as faltas, esse diretor quase caiu da cadeira - recorda Muricy.
Muricy sabia o que estava fazendo. Era um risco calculado. Desde os tempos em que trabalhava como auxiliar de Telê Santana observava a dedicação a mais do goleiro, reserva naquela época. Rogério chegava ao treino meia hora antes dos demais e só ia embora meia hora depois. Durante esse tempo extra, cobrava faltas. Muitas faltas...
O São Paulo tinha muita dificuldade para fazer gol de falta. No ano de 1996, com um elenco estrelado por Valdir Bigode, Denílson, Sandoval e Axel, nenhuma falta cobrada por um jogador tricolor resultou em gol. Muricy, sabedor de que o melhor batedor era um goleiro, aproveitou o amistoso em Santiago e não pensou duas vezes:
- A gente não tinha batedor de falta e eu observava muito o Rogério nos treinos. Por isso, quando assumi, defini: ‘vai bater quem treina, quem tem qualidade’. Mas foi pensado. Não fui nenhum irresponsável - diz Muricy, que tinha assumido a vaga deixada por Carlos Alberto Parreira e seria efetivado pouco depois, no início de 1997.
O jogo com o Colo Colo começou e Muricy queria ver a sua aposta dar resultado. Mas, por incrível que pareça, o São Paulo não teve nenhuma falta marcada próxima da área para que Rogério batesse. O Tricolor venceu por 4 a 2, mas o técnico não estava 100% feliz.
- Saí frustrado de campo... Queria que, pelo menos, tivesse uma falta para ele bater. Era uma coisa nova e eu queria ter visto ali na prática.
O orgulho que Muricy teve naquele dia, no estádio Hermínio Ometto, é o mesmo que sentiu nos 99 gols seguintes do capitão. Se ele está em casa assistindo a um jogo do São Paulo e vê Rogério marcar, estufa o peito e se sente um pouquinho parte do feito.
- Claro que eu me sinto orgulhoso. Quando ele fez aquele gol do recorde (ao ultrapassar a marca do paraguaio Chilavert como o maior goleiro-artilheiro do mundo, no dia 20 de agosto de 2006, diante do Cruzeiro, no Mineirão) veio me dar a camisa de presente depois. Tenho guardada com muito carinho. Ele vibra até hoje como se fosse aquele menino comemorando o primeiro gol.
Muricy conhece Rogério muito bem. Mais recentemente, voltou a ser seu treinador no São Paulo, quando ganhou três Campeonatos Brasileiros (2006, 2007 e 2008). E, como bom observador, faz uma constatação.
- Se o Rogério não tivesse sido goleiro e optado por jogar na linha teria se dado bem também. Ele bate bem na bola, tem noção de espaço e posicionamento, além de muita coordenação. É daqueles caras que jogam bem futebol, vôlei, tênis... Faz direito tudo que se dispõe a executar. Alguns caras são diferentes. Rogério é assim.
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